FIB15 – Painel “Sustentabilidade e tecnologia: impacto das normas ‘Green Claims’ na inovação”

Em 29 de maio de 2025, durante o Fórum da Internet no Brasil (FIB15), promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), foi realizado o painel “Sustentabilidade e Tecnologia: Impacto das normas Green Claims na Inovação”. Organizado pela Lawgorithm e pelo escritório Maranhão & Menezes Advogados, o encontro reuniu especialistas para discutir os efeitos das regulamentações ambientais, em especial as europeias, sobre cadeias produtivas, inovação tecnológica e relações comerciais entre o Norte e o Sul Global. O painel contou com a moderação de Josie Menezes(Maranhão & Menezes), e com exposições de Julia Cruz (Ministério da Saúde) e Christian Perrone (CETyS e ITS Rio), além da relatoria de Luísa da Silva.

Exposições Iniciais

Josie Menezes – O panorama regulatório europeu e seus impactos no Brasil

A moderadora abriu o painel contextualizando a relevância crescente das green claims — alegações ambientais feitas por empresas sobre seus produtos ou serviços — e as exigências regulatórias que vêm sendo estabelecidas para evitar o chamado greenwashing. Josie explicou que o painel se propôs a avaliar como essas novas normas, especialmente europeias, impactam a inovação e a inserção de produtos brasileiros em mercados internacionais. A exposição destacou que normas como a Diretiva Europeia de Green Claims, a Renewable Energy Directive (RED), o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) e a Diretiva do Desmatamento configuram um pacote regulatório que impõe obrigações rigorosas a exportadores, exigindo comprovações científicas e auditorias sobre sustentabilidade.

Josie apresentou um diagnóstico crítico dessas medidas a partir do relatório de Green Claims e apontou riscos concretos para o Brasil, como a desconsideração dos biomas da Caatinga e do Cerrado nas definições europeias de floresta, e o desconhecimento da matriz energética brasileira — predominantemente renovável — nos cálculos de emissões vinculados à importação de minérios. A palestrante também alertou para a assimetria de poder regulatório e para a possibilidade de uso político das green claims como barreiras comerciais não tarifárias.

Julia Cruz – Inovação, sustentabilidade e os limites das certificações

Em sua fala, Julia abordou os efeitos das regulamentações ambientais sob o ponto de vista da inovação sustentável. Afirmou que normas como as green claims pressionam por uma “competição verde”, estimulando o desenvolvimento de novos materiais biodegradáveis, processos de baixo carbono e o uso de IA para rastreabilidade ambiental. Entretanto, destacou os riscos de exclusão de pequenos produtores e empresas do Sul Global, em razão dos custos de certificação e da concentração das entidades certificadoras no Norte Global — um processo que denominou de "colonialismo verde".

Julia criticou a eficácia das certificações privadas, usando o exemplo da cadeia do café brasileiro. Mesmo fazendas certificadas foram flagradas em situações de trabalho análogo à escravidão e uso de agrotóxicos proibidos. Segundo ela, os selos ambientais muitas vezes não garantem mudanças reais, funcionando mais como mecanismos de conforto para consumidores. Para enfrentar essas limitações, defendeu o fortalecimento da responsabilidade objetiva ambiental na legislação brasileira, com maior fiscalização direta e responsabilização das cadeias produtivas.

Christian Perrone – Sustentabilidade e tecnologia: o elefante na caverna

Christian propôs uma leitura sistêmica das tensões entre sustentabilidade e inovação. Com base na metáfora da fábula do elefante na caverna — onde diferentes observadores enxergam partes distintas do problema —, afirmou que certificações parciais não são suficientes para enfrentar a complexidade dos desafios ambientais. Apontou dois vetores fundamentais: a tecnologia para sustentabilidade (como o uso de IA para otimização energética ou monitoramento por satélite) e a sustentabilidade da própria tecnologia (desde a extração de minérios até o descarte de equipamentos).

O pesquisador destacou que selos e claims precisam ser compreendidos com cautela, pois nem sempre capturam os impactos finais dos produtos. Questionou se a solução está em mais punição ou em incentivos positivos, defendendo abordagens híbridas com políticas públicas inteligentes que combinem sanções e estímulos. Ressaltou também o papel do Brasil diante da COP 30 e da nova lei de mercado de carbono, sugerindo que o país pode liderar com estratégias próprias, adequadas ao seu contexto e ativos ambientais.

Discussões principais

  • Efeitos assimétricos e risco de protecionismo verde: Foi enfatizado que a ausência de diálogo das normas europeias com realidades do Sul Global pode ampliar desigualdades e excluir produtores de mercados estratégicos.

  • Colonialismo regulatório e desigualdades digitais: Julia e Josie apontaram como certificações definidas fora do Brasil ignoram ecossistemas locais e impõem exigências desproporcionais a pequenas e médias empresas.

  • Limites das certificações privadas: Denúncias sobre trabalho escravo na cadeia do café mostraram a fragilidade dos selos como garantias de sustentabilidade.

  • Possibilidades de inovação local: Foram debatidas alternativas como o TAC da Carne Legal, os marcos normativos estaduais (ex: PLs em Goiás), e soluções cooperativas multissetoriais com fiscalização pública.

  • Debate sobre direito concorrencial e cadeias produtivas: Luiz, da Lawgorithm, questionou como as green claimspodem favorecer grandes players internacionais, e propôs maior atenção aos custos de compliance para PMEs e às desigualdades digitais geradas pelas exigências de rastreabilidade.

Conclusão

O painel evidenciou a complexidade das regulações ambientais no cenário global e seus efeitos sobre o Brasil. Embora haja consenso quanto à importância da sustentabilidade e do combate ao greenwashing, os participantes demonstraram preocupação com os riscos de exclusão, assimetria regulatória e eficácia limitada dos selos. A síntese de Luísa da Silva destacou a urgência de estratégias que aliem proteção ambiental, justiça social e inovação tecnológica de forma justa e contextualizada. O painel reafirmou a importância do multissetorialismo, da cooperação internacional e da construção de um marco normativo brasileiro que enfrente de forma eficaz as alegações ambientais enganosas sem comprometer a competitividade nacional.

🔗 Acesse o painel na íntegra aqui: YouTube

🔗 Leia o relatório completo “Green Claims e o Sul Global” aqui: Green Claims Report

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