Webinar 1: Princípios e Práticas para o Licenciamento de Patentes Essenciais a Standards

Em 2025, no âmbito da série Modelando Inovação no Brasil, a Lawgorithm realizou o painel "Princípios e Práticas para o Licenciamento de Patentes Essenciais a Standards". O evento reuniu especialistas para discutir os principais desafios jurídicos, regulatórios e técnicos associados ao licenciamento de patentes essenciais (SEPs) e à adoção do compromisso FRAND (Fair, Reasonable and Non-Discriminatory) no contexto brasileiro.

Participaram do painel Fernanda Galera Soler (FGV Direito SP), Bernardo Cascão (BMA Advogados) e Ademir Pereira (Del Chiaro Pereira Advogados), com moderação de Beatriz de Sousa (Lawgorithm). A discussão teve como foco equilibrar abordagens teóricas e práticas, permitindo um diálogo qualificado entre academia e advocacia.

Exposição introdutória – Fernanda Galera Soler

Fernanda Galera inaugurou o painel com uma apresentação conceitual sobre o que são patentes essenciais e quais os principais fundamentos do modelo FRAND. Sua abordagem foi marcada por um viés acadêmico, vinculado à atuação do Grupo de Pesquisa em Propriedade Intelectual, Direitos Humanos e Inclusão da FGV. Fernanda buscou contextualizar histórica e juridicamente os debates sobre SEPs e destacar a relevância do licenciamento responsável no cenário da economia digital e particularidades do Sul Global.

Entre os pontos principais de sua exposição destacaram-se:

  • Recordação dos fundamentos do sistema patentário, incluindo os requisitos para a concessão de patentes, o caráter exclusivo e limitado do direito e a territorialidade, muito importante no debate sobre SEPs.

  • A natureza técnica das SEPs, cuja implementação é essencial para conformidade com determinados padrões tecnológicos (como 3G, 4G, 5G, Wi-Fi, USB), especialmente no setor de telecomunicações.

  • O mecanismo de declaração de essencialidade de patentes no seio de organismos de normalização setoriais (Standard Development Organizations – SDOs) e a importância dessas normas técnicas privadas desenvolvidas como instrumento de cooperação

  • O papel das SEPs na garantia de interoperabilidade entre dispositivos e na formação de padrões globais, o que demanda uma governança internacional articulada.

  • A tensão entre a proteção patentária e a função social das patentes, com implicações relevantes para concorrência, inclusão digital e desenvolvimento.

Fernanda Galera ainda destacou o caso do 5G como um exemplo paradigmático da importância das SEPs para o desenvolvimento tecnológico, social e econômico, inclusive em políticas públicas que envolvem internet das coisas, saúde digital e mobilidade urbana. Alertou, por fim, para a necessidade de consideração sobre as disparidades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico entre Norte e Sul Global, pontuando a importância de adequação dos termos FRAND à realidade brasileira.

Exposição  – Bernardo Cascão

Bernardo Cascão apresentou uma perspectiva baseada na prática do direito concorrencial, com foco em litígios envolvendo patentes essenciais e possíveis práticas abusivas no processo de licenciamento. Cascão destacou que a definição e a aplicação do critério FRAND ainda geram controvérsias substanciais, especialmente quando se trata de quantificação de royalties e exigência de licenciamento para múltiplos níveis da cadeia de valor.

Bernardo abordou os seguintes pontos:

  • Compreensão do compromisso FRAND no Brasil, com ênfase no equilíbrio entre a remuneração do titular da patente e o acesso à invenção aos implementadores de tecnologia. Também destacou que o compromisso FRAN impõe restrições ao enforcement irrestrito de SEPs.

  • Aplicação em disputas locais e desafios concorrenciais, mencionando o abuso de ações judiciais como instrumento de pressão para impedir a comercialização de produtos com base em SEPs e a importância de avaliar o comportamento das partes para averiguar a legitimidade do enforcement de SEPs. 

  • Inserção do Brasil nas dinâmicas globais e o papel das autoridades, ressaltando a necessidade de observar criticamente experiências estrangeiras e construir soluções próprias baseadas em evidência econômica e jurídica.

Exposição – Ademir Pereira

Ademir Pereira complementou a discussão com um panorama dos avanços do debate sobre SEPs na última década. Nesse sentido, destacou os seguintes pontos:

  • O caráter pró-competitivo dos standards, na medida em que favorecem a interoperabilidade, e a tendência em incorporarem as tecnologias com melhor custo-benefício no processo plural de formação dos standards pelas SDOs.

  • A importância e o sucesso que têm apresentado os compromissos FRAND ao limitar potenciais condutas anticompetitivas (como recusa qualificada de contratar) por parte de titulares de SEPs, sendo exceções os casos de litígio.

  • A caracterização do compromisso FRAND como uma “via de mão dupla”, em que, de um lado, o titular da patente tem o dever de oferecer a licença e, do outro, o implementador da tecnologia tem o dever de buscar a licença. 

  • A importância dos remédios judiciais para assegurar a remuneração dos titulares de SEPs, dada a impossibilidade de interromper o fornecimento de tecnologias licenciadas.

Pereira enfatizou que a previsibilidade contratual e a justa remuneração dos desenvolvedores de tecnologia são condições essenciais para que a inovação tecnológica e a adoção de padrões se deem de forma ampla e inclusiva, permitindo que mais atores possam competir de forma sustentável.

Questões centrais debatidas

  • A territorialidade das patentes versus a natureza global dos padrões tecnológicos. Bernardo Cascão alertou que a lógica fragmentada da proteção territorial entra em tensão com a exigência de interoperabilidade global. 

  • O papel do CADE na proteção de termos competitivos no licenciamento de SEPs. Para Ademir Pereira, o direito concorrencial tem um papel residual no tratamento dessa questão, que seria endereçada primariamente pela propriedade intelectual e pelo direito contratual. Para Bernardo Cascão, o direito concorrencial pode ser importante na prevenção a práticas anticompetitivas por meio do abuso de SEPs.

  • Os impactos do licenciamento sobre a inclusão digital, soberania tecnológica e desenvolvimento nacional. Para Bernardo Cascão, o mau uso de SEPs pode se tornar uma barreira à inovação doméstica e ao desenvolvimento de soluções locais. 

Conclusão

O painel demonstrou que o licenciamento de SEPs envolve questões jurídicas de grande relevância para a política industrial e a inclusão tecnológica no Brasil. A exposição de Fernanda Galera trouxe bases teóricas fundamentais para o entendimento do tema, enquanto Bernardo Cascão e Ademir Pereira enriqueceram o debate com experiências práticas do contencioso e da advocacia concorrencial.

O evento reafirmou a necessidade de previsibilidade, acesso e desenvolvimento tecnológico equilibrado, em diálogo com padrões internacionais e com os desafios específicos do mercado brasileiro.

🔗 Acesse o painel na íntegra aqui: YouTube

🔗 Acesse a apresentação de slides da Fernanda Galera: Slides.

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