Webinar Green Claims: Carbono, Comércio Internacional e Justiça Climática
Em 24 de abril de 2025, a Lawgorithm, em parceria com o Legal Grounds Institute e o escritório Maranhão & Menezes, realizou o webinar Report on Green Claims, como etapa preparatória para o Fórum da Internet no Brasil (FIB 2025), em Salvador. O evento teve como objetivo discutir os desafios regulatórios contemporâneos relacionados a alegações ambientais (green claims), com foco na neutralidade de carbono e nos mercados de carbono, destacando os impactos dessas normas sobre a competitividade internacional, a regulação climática e a justiça ambiental.
Painel 1 – Neutralidade de Carbono e Mercado de Carbono
Objetivo e contexto do painel
Moderado por Josie Menezes, o primeiro painel abordou os impactos das regulações sobre créditos de carbono e suas consequências para o Brasil, especialmente diante da recente promulgação da lei que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa. O debate teve como foco os efeitos da crescente complexidade normativa internacional — como o Regulamento Europeu sobre Green Claims e o CBAM — sobre a soberania, competitividade econômica e justiça climática no Sul Global.
Exposição inicial: Gabriel Mantelli
Gabriel Mantelli (USP e Instituto Ação Climática) apresentou uma leitura crítica do relatório Green Claims, à luz da literatura contemporânea sobre justiça climática e direito climático. Destacou:
As assimetrias do regime global: o arcabouço regulatório internacional sobre green claims e mercados de carbono pode reproduzir hierarquias coloniais, marginalizando saberes e biomas locais.
Colonialismo climático e justiça climática: abordou como novas normas ambientais, mesmo com intenções legítimas, podem agravar desigualdades se não dialogarem com realidades locais e históricas, especialmente de povos indígenas e comunidades tradicionais.
Participação democrática e governança inclusiva: enfatizou a importância de incluir representantes legítimos em nível decisório (por exemplo, lideranças indígenas em diálogo direto com CEOs e investidores) e de construir salvaguardas específicas para projetos de carbono em territórios sensíveis.
Oportunidades a partir da sócio-biodiversidade brasileira: propôs que o Brasil assuma protagonismo global a partir de seus ativos ambientais, integrando justiça climática, representatividade e métricas que tornem as políticas rastreáveis e auditáveis.
Exposição inicial: Prof. Carlos Portugal Gouvêa
Carlos Gouvêa (FDUSP e Instituto de Direito Global) abordou as diferenças entre mercados de carbono regulados e voluntários, e os riscos associados à baixa confiabilidade do segundo modelo. Destacou:
Credibilidade e preço do crédito de carbono: mercados regulados como o europeu oferecem maior confiança, o que eleva o preço dos créditos (ex: ~70€/ton), em contraste com os créditos de mercados voluntários (~US$ 0,20/ton), muitas vezes fraudulentos.
Créditos de carbono industriais como padrão-ouro: destacou as tecnologias desenvolvidas na Islândia e Suíça como exemplos de créditos com alto nível de auditabilidade e confiabilidade, mas com alto custo (US$ 1.000/ton).
Falhas do modelo brasileiro atual: o recém-lançado sistema brasileiro peca por não exigir adicionalidade e por excluir grandes emissores, como o setor agropecuário, dificultando a formação de um mercado robusto e competitivo internacionalmente.
Efeitos distributivos e desigualdades estruturais: alertou que o atraso regulatório prejudica especialmente pequenos e médios produtores, que podem não estar preparados para atender às exigências de rastreabilidade e sustentabilidade das normas europeias, agravando desigualdades econômicas e regionais.
Pontos principais debatidos
Desafios do efeito Bruxelas: regulações europeias sobre desmatamento, carbono e sustentabilidade exigem adaptação urgente do setor produtivo brasileiro, sob risco de barreiras não tarifárias.
Oportunidade perdida de liderança: o Brasil, que sediou a Rio 92 e detém vantagens comparativas em biodiversidade, desperdiçou o potencial de liderar o mercado global de carbono e de produtos sustentáveis.
Caminhos para correção de rota: foi destacada a importância de criar reguladores altamente capacitados, investir em infraestrutura normativa e tecnológica, e garantir representação equitativa na governança ambiental.
Conclusão
O evento reforçou que, para o Brasil se posicionar como referência em sustentabilidade no comércio internacional, será necessário alinhar normas nacionais a padrões de adicionalidade e rastreabilidade globalmente reconhecidos, democratizar o acesso aos mercados de carbono, e integrar perspectivas de justiça climática e soberania ambiental.
🔗 Acesse o painel na íntegra aqui.
Painel 2 - Aplicações positivas da IA para o clima: agricultura e sustentabilidade
Carla Macário apresentou casos concretos da aplicação da IA na agricultura brasileira, destacando como ela tem potencial para promover práticas mais sustentáveis e resilientes frente às mudanças climáticas. Os principais pontos de sua exposição incluíram:
Gestão climática na agricultura: a IA pode apoiar o desenvolvimento de cultivares resistentes à seca e calor, otimizar irrigação e prever eventos extremos como secas e geadas.
Transformação digital no campo: com o uso de sensores, imagens de satélite e big data, a IA permite rastrear pragas, melhorar a eficiência de insumos, e promover práticas como plantio direto e fixação biológica de nitrogênio.
Zoneamento agrícola e ecológico: a IA contribui para acelerar e melhorar a precisão dos zoneamentos agroclimáticos e ecológico-econômicos, utilizados por políticas públicas para definir onde, quando e como plantar culturas com menor impacto ambiental.
Bioinsumos e genética: algoritmos de IA ajudam a identificar padrões genéticos e desenvolver bioinsumos mais eficazes e menos poluentes.
Ao mesmo tempo, Carla destacou que o bom desempenho da IA depende da disponibilidade de grandes volumes de dados de qualidade, o que demanda investimentos em pesquisa, conectividade e infraestrutura.
Riscos ambientais da IA: consumo energético e desigualdade global
Constanza Di Francesco Maesa apresentou uma visão crítica dos impactos negativos dos sistemas de IA sobre o meio ambiente, sobretudo em relação aos riscos que sua cadeia de produção representa para países do Sul Global. Com base no relatório europeu sobre green claims, ela abordou:
Consumo excessivo de recursos: grandes modelos de IA (como fundacionais e generativos) exigem enormes quantidades de energia elétrica e água para operar e resfriar data centers, gerando impactos ambientais relevantes.
Extração predatória de minerais críticos: a IA depende de minerais como lítio, índio e cobre, cuja extração no Sul Global.
Descarte de resíduos tecnológicos: os dispositivos usados para treinar IA (computadores, servidores, smartphones) frequentemente geram lixo eletrônico exportado ilegalmente para países em desenvolvimento, agravando a poluição e comprometendo o direito a um ambiente saudável.
Lacunas regulatórias na Europa: apesar de avanços como o AI Act e a Diretiva sobre Diligência Corporativa Sustentável, ainda faltam mecanismos obrigatórios de avaliação de impacto ambiental para sistemas de IA, inclusive no ciclo de vida dos produtos.
Constanza levantou a questão: uma empresa pode alegar que seu sistema de IA é "verde" se ele for aplicado à agricultura sustentável, mas depender de um processo produtivo poluente? Para Di Francesco, proposta de Diretiva Europeia sobre Green Claims pode vir a considerar tais alegações como enganosas, caso não sustentadas por evidências científicas e certificações independentes.
Contribuições jurídicas e críticas
Ana Maria Nusdeo, professora de Direito Ambiental da USP, ressaltou paralelos históricos entre o uso de tecnologias para monitoramento ambiental — como os radares usados no combate ao desmatamento no governo Lula (2003-2006) — e o atual potencial da IA. No entanto, alertou que:
A transição ecológica e energética é ambivalente: embora necessária para combater a crise climática, ela pode gerar novos danos socioambientais se não for acompanhada de regulações efetivas.
O licenciamento ambiental brasileiro é insuficiente: apesar de sua importância, ele nem sempre oferece controle efetivo dos impactos ambientais de grandes projetos.
Desigualdade na governança ambiental: o Brasil precisa evitar repetir os erros da Europa e adotar critérios obrigatórios de avaliação ambiental, com participação social e salvaguardas para populações vulneráveis.
Nusdeo também destacou o papel da pesquisa científica como fonte de dados para alimentar algoritmos, bem como a necessidade de estrutura tecnológica e capacitação profissional para que o uso da IA no Brasil não aprofunde desigualdades existentes.
Debate
Ao final do painel, o moderador Juliano Maranhão conduziu uma discussão com as palestrantes, aprofundando nas tensões entre os potenciais da Inteligência Artificial para promover práticas ambientalmente sustentáveis e os impactos socioambientais decorrentes de sua infraestrutura e cadeia produtiva. Em resposta à provocação de Juliano sobre a relação entre IA e pesquisa científica, Carla Macário destacou que há uma interdependência essencial entre as duas esferas: a pesquisa agroambiental gera os dados que alimentam os algoritmos, enquanto a IA, por sua vez, acelera a produção de conhecimento ao processar grandes volumes de dados e identificar padrões complexos, especialmente em genética, biotecnologia e zoneamento climático. Essa retroalimentação cria novas possibilidades de inovação, mas impõe desafios técnicos e regulatórios, sobretudo quanto à qualidade e à governança dos dados utilizados.
Constanza Di Francesco Maesa, por sua vez, aprofundou a análise das contradições entre sustentabilidade da IA e danos ambientais, muitas vezes externalizados para o Sul Global. Em resposta à professora Ana Maria Nusdeo, que alertou para as lacunas do licenciamento ambiental brasileiro, Constanza enfatizou acreditar que o atual modelo europeu de regulação da IA é insuficiente para garantir sua sustentabilidade ambiental. Ela sugeriu que o Brasil, diante de sua biodiversidade e protagonismo na agenda ambiental, poderia liderar pela construção de marcos regulatórios mais completos, que incluam avaliação de impacto ambiental e certificações efetivamente independentes. O debate encerrou-se com o reconhecimento mútuo da complexidade do tema e da urgência de se desenvolver soluções regulatórias integradas, capazes de equilibrar inovação tecnológica, soberania ambiental e justiça climática.