Seminário Internacional: Brasil e a Geopolítica dos Mercados Digitais

Em 08 de maio de 2025, a Lawgorithm e o Legal Grounds Institute realizaram o Seminário Internacional "Brazil and the Geopolitics of Digital Markets", com o objetivo de promover uma análise comparada sobre os modelos regulatórios em disputa no campo dos mercados digitais e suas implicações geopolíticas para o Brasil. O evento, realizado virtualmente, reuniu especialistas do Brasil, Europa e Estados Unidos, com destaque para Jorge Padilla (Compass Lexecon, Europa) e Alex Gray (American Global Strategies, Estados Unidos). A moderação foi conduzida por Juliano Maranhão (USP, Lawgorithm) e contou ainda com participações de Cristiane Landerdahl de Albuquerque (Ministério da Fazenda) e Cesar Mattos (consultor da Câmara dos Deputados).

Exposição do modelo europeu: Digital Markets Act e seus desafios

Jorge Padilla apresentou uma análise abrangente da experiência europeia na regulação de mercados digitais, destacando a trajetória da União Europeia desde a aplicação de instrumentos antitruste tradicionais até a adoção de medidas ex ante via Digital Markets Act (DMA). Segundo Padilla, o modelo europeu busca assegurar a contestabilidade e a inovação nesses mercados, prevenindo abusos de posição dominante por plataformas digitais classificadas como "gatekeepers".

Padilla destacou que, embora o modelo ex ante do DMA seja poderoso por estabelecer obrigações claras e prévias, ele também enfrenta limitações significativas: por ser fixado previamente, pode desconsiderar dinâmicas concorrenciais emergentes; além disso, carece de flexibilidade e impõe custos regulatórios altos, exigindo capacidades institucionais robustas por parte da Comissão Europeia. Entre as consequências já observadas, mencionou-se o aumento da litigiosidade e o surgimento de efeitos colaterais não antecipados, como a exclusão de pequenos restaurantes de plataformas de busca ou distorções no equilíbrio entre grandes plataformas e hotéis independentes.

Padilla também apontou que, embora o debate público na Europa apresente o DMA como forma de equilibrar o jogo competitivo, muitas das denúncias que motivaram sua adoção vieram de empresas norte-americanas contra outras empresas norte-americanas, como Booking contra Google, o que relativiza a narrativa de protecionismo europeu. Por fim, alertou que os efeitos do DMA devem ser observados com cautela antes de exportar esse modelo a outras jurisdições.

Panorama norte-americano: tecnologia como instrumento geopolítico

Alex Gray ofereceu uma perspectiva estratégica dos Estados Unidos sobre o papel da regulação no contexto da competição com a China. Segundo Gray, o setor de tecnologia é visto pela administração Trump como um componente crítico da soberania nacional e do domínio estratégico dos EUA, em especial no confronto com o Partido Comunista Chinês. Nesse cenário, empresas de tecnologia são tratadas como campeãs nacionais.

Para Gray, o modelo regulatório europeu — e particularmente o DMA — é percebido como uma ameaça direta aos interesses econômicos e geopolíticos dos Estados Unidos. Argumentou que a designação de gatekeepers praticamente exclusiva a empresas norte-americanas seria interpretada como uma barreira não tarifária disfarçada, afetando negativamente as relações comerciais transatlânticas. O ex-assessor da Casa Branca enfatizou que, em futuras negociações comerciais, questões regulatórias digitais — incluindo concorrência, antitruste e proteção de dados — estarão no centro da pauta, ao lado de temas tradicionais como tarifas ou subsídios.

Do ponto de vista doméstico, Gray diferenciou ações regulatórias internas (como as conduzidas pelo DOJ ou FTC) de medidas adotadas por governos estrangeiros. Segundo ele, mesmo discordando de litígios antitruste internos, a administração Trump os vê como parte legítima da soberania regulatória doméstica, enquanto reage com hostilidade a regulações externas vistas como dirigidas contra os EUA. Para países como o Brasil, Gray recomendou cautela na adoção de regulações inspiradas no modelo europeu, defendendo equilíbrio e previsibilidade.

Repercussões para o Brasil e o debate local

O evento foi enriquecido pelos comentários de Cristiane Landerdahl de Albuquerque, do Ministério da Fazenda, e de Cesar Mattos, assessor da Câmara dos Deputados. Ambos destacaram o interesse do Brasil em acompanhar os debates internacionais e a necessidade de desenvolver um modelo próprio, atento à realidade institucional e à capacidade de enforcement do país.

Christiani ressaltou que empresas brasileiras e estrangeiras têm buscado contribuir com propostas regulatórias no país, o que revela a relevância do debate. Mattos, por sua vez, citou o Relatório Draghi como crítica à incapacidade da Europa em transformar inovação em crescimento, sugerindo que regulação excessiva pode ter papel nesse bloqueio. Padilla acrescentou que o GDPR — por ser uma regulação simétrica e custosa — serviu de alerta ao demonstrar impactos negativos sobre a inovação, sobretudo entre pequenas empresas europeias.

O debate também aprofundou temas como a formulação de políticas públicas no Brasil. Juliano Maranhão questionou Jorge Padilla sobre os riscos de litígios oportunistas após a implementação do DMA. Padilla respondeu que, embora a litigiosidade tenha aumentado, isso pode ser interpretado como sinal de funcionamento institucional e oportunidade de aperfeiçoamento do enforcement europeu.

Maranhão então questionou Alex Gray quanto aos limites entre soberania digital e protecionismo regulatório, especialmente à luz das críticas dos EUA ao modelo europeu. Gray reiterou que a posição americana busca defender sua competitividade global, mas que reconhece o direito de cada país estabelecer sua própria regulação desde que baseada em princípios de previsibilidade, proporcionalidade e não discriminação.

Quanto à possibilidade de o Brasil seguir um caminho próprio, inspirando-se em modelos estrangeiros sem copiá-los integralmente, Padilla encorajou o Brasil a adotar medidas baseadas em evidências, construídas a partir de avaliações de impacto regulatório e com atenção à capacidade de enforcement. Gray destacou que o Brasil pode assumir papel de liderança na América Latina, articulando um modelo equilibrado e tecnicamente robusto.

Discussões principais

  • O modelo europeu aposta na regulação ex ante para disciplinar condutas antes que danos concorrenciais ocorram, mas enfrenta críticas quanto à rigidez, litigiosidade e custos institucionais.

  • O modelo norte-americano prioriza enforcement ex post via antitruste, considerando a inovação como pilar da competitividade geopolítica frente à China.

  • O Brasil está diante de uma encruzilhada: adotar mecanismos inspirados em modelos internacionais exige adaptação à realidade local e consideração dos efeitos sistêmicos da regulação.

  • A adoção de instrumentos como unidades digitais no CADE ou regras inspiradas no DMA requer investimentos em capacitação técnica, coordenação interinstitucional e prudência na dosagem regulatória.

O Seminário Internacional revelou os contornos geopolíticos da disputa regulatória em torno dos mercados digitais. A análise das estratégias regulatórias da União Europeia e dos Estados Unidos evidenciou que a regulação de grandes plataformas transcende o direito da concorrência, sendo também instrumento de política industrial e projeção de poder. Para o Brasil, a principal lição é que qualquer escolha regulatória deverá considerar os efeitos sobre inovação, soberania digital e inserção global. O evento reforçou a importância do diálogo internacional e da construção de uma agenda regulatória que combine equilíbrio, transparência e visão estratégica de longo prazo.

🔗 Acesse o evento na íntegra aqui.

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